sábado, 3 de setembro de 2011

DESAGRAVO

A cada novo acontecimento, em todas as esferas do conhecimento, mais e mais o homem se auto-intitula ‘senhor’ do desenvolvimento e da natureza, ‘senhor’ dos saberes e juiz dos ignorantes e ‘senhor’ da produção, do consumismo, da infelicidade alheia, entre tantos outros irônicos predicados.
Não, minha intenção com este texto não é apenas fazer uma crítica à apatia comunitária de Piçarras. Não é de meu interesse apontar culpados como se fosse tão fácil apontar para milhares de pessoas, e da mesma forma, não quero e não irei basear meus argumentos em achismos baratos e medíocres, que tentam explicar o que não carece explicação.
Não busco responsabilizar...porque não acharei quem responda por isso. Busco gritar letra após letra para tentar surtir algum eco, em alguém, em alguma coisa ou em algum lugar. Como sou um ilustre desconhecido que paga seus impostos, sinto-me no direito de me permitir vociferar.
É interessante observar o quanto estamos nos acostumando a atribuir a culpa de nossos atos ou omissões às forças da natureza, como se ela tivesse um plano milenar infalível de exterminação da nossa pobre ‘racinha’ de hominídeos. Fica fácil e extremamente covarde culpar a ‘Terra’ pelo sem-número de fenômenos observados no mar, nas montanhas, vulcões, rios, planícies, enfim, em todo o lugar apropriado e transformado através dos séculos pela presença e ação do homem, que passou de coletor a caçador, de caçador a domesticador da terra e dos animais; de caçador a conquistador de terras e de outros ‘animais’, e deste último, a criador de um sistema perverso de geração de infelicidade através do consumo exacerbado, geração de impermeabilização do espaço urbano, a verticalização da paisagem e para não ir tão longe, a maquiagem de nossas relações cheias de ‘pancake’!
Pasmo, venho observando a transformação do antigo Balneário Piçarras em um novo ‘Balneário Sob Pedras”, cópia pobre, barata e de marketing inexistente do famoso não-lugar chamado Balneário Camboriú. Fugimos dos grandes centros urbanos (ou não tão grandes), a fim de reencontrarmo-nos com natureza e com suas benesses; trocamos a fuga pela busca quando vamos ao encontro de paisagens pitorescas, bucólicas, hedonísticas, telúricas, enfim, além de encontrar nelas, sujeitos mágicos que a antropologia ainda permite chamar de ‘nativos’. Mas é claro, não basta encontrar tudo isso.
Sustentamos a péssima habilidade de fazer destes lugares e pessoas cópias dos lugares e das pessoas dos quais fugimos quando do nosso tempo de não-trabalho, lazer, descanso, férias, ócio, etc... Parece que somos neuróticos. (Por neurótico entendo aquele sujeito que faz sempre a mesma coisa do mesmo jeito achando que vai dar resultado diferente)
Abro os jornais semana após semana e contemplo excelentes fotos feitas na orla de Piçarras, infelizmente mostrando que não existem (ou se existem são tão ínfimas) atividades de baixa temporada com finalidade de diminuir o impacto da sazonalidade. Não se trata de fotos de novos atrativos, por exemplo, de um centro de convenções em construção (o que também iria fazer frente à quebra da média de hospedagem durante o que se mediocrizou chamar de baixa temporada),... não, não são fotos ou imagens de projetos sociais que, ao se realizar na beira-mar, trazem novas inferências e perspectivas aos infantis e aos adolescentes, fazendo com que a sala de aula ganhe asas, assim como o processo dialógico e dialético da aprendizado.
O que vejo são os retratos da banalização do espaço público (praia), local que se transforma em um antro nobre a cada mês que passa, com indivíduos dormindo embaixo de algumas marquises, com o odor fétido de esgoto misturado ao odor deixado pelos divertidos cidadãos após a noite de balada... vários grupos de ‘nóis-não-fazemo-nada-e-daí-pô-tá-ligado’ perambulando à espera de um cidadão trouxa que ainda confie que ‘Piçarras seja um lugar seguro’.
Este cenário é palco e rota preferida para as fantásticas e bem-sucedidas fugas de motoqueiros-fugitivos que passam em alta velocidade pela tão estreita Avenida Beira-Mar, seguidos de forma nada ameaçadora, de longe, pelo não tão mais veloz carro do aparelhamento do Estado, que também cruza, bem mais veloz que a moto em fuga, pela frente dos olhares estarrecidos dos autóctones e dos visitantes (cada dia em menor número e mais descrentes de alguma mudança para melhor). Mas, como diz o ditado piçarrense, ‘sempre foi assim, qual o problema? Para que mudar??’
Neste mesmo palco onde acontece tal investida comentada anteriormente, é também lugar de um acontecimento de falta de gestão ambiental e descomprometimento cidadão. Sim, segundo o que foi publicado no Jornal do Comércio desta semana, e de acordo com a opinião da grande maioria de cidadãos desta cidade, os quais ainda observam passivos à morte anunciada de várias árvores que compunham, antes, a paisagem romântica e da praia familiar de Piçarras, o que vem ocorrendo é a queda de várias árvores ao passar das décadas e elas estão caindo por força da ressaca que vem atingindo a praia neste ano de 2011...
Pergunto-me, quem está de ressaca, realmente? Até quando a espera por um milagre (título de um bom filme), vai alentar aqueles que estão à procura de felicidade (outro bom título de filme), ou que irão se fazer de advogado do diabo (então, vale outra dica de filme?), vindo a permitir a extinção aplaudida do belo, do inusitado, do contemplativo, do rebuscado amanhecer e entardecer que nestas praias encanta.
Não seria hora mais que tardia de agir?
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Prof.Therbio Felipe - Professor Sobre Rodas